12/07/2017

Algumas palavras sobre o protesto das senadoras ontem




As senadoras de oposição, que até ano passado eram governo, ocuparam a mesa diretora do senado e atrasaram a votação da nossa (contra)reforma trabalhista.  Elas não podiam fazer mais que isso e seus colegas homens não as apoiaram, ou, pelo menos, nada vi a esse respeito.  Enfim, desde ontem, as senadoras estão sendo demonizadas na mídia por homens, porque queriam garantir os direitos e proteção das mulheres e seus filhos lactantes.  Era esse o motivo, nada iria barrar a reforma como um todo, desejavam uma pequena mudança no texto que garantisse que mulheres grávidas e amamentando não pudessem trabalhar em ambiente perigoso ou insalubre.  


A velha CLT garantia segurança para grávidas e lactantes, o texto previamente aprovado na Câmara dos Deputados tinha sido criticado pela negligência criminosa. Um dos muitos retrocessos, enfim.  Mas, são só mulheres e crianças (*que recebem seu leite, que estão em suas barrigas*) quem se importa com elas?  Só quando é para proibir o direito de aborto é que os ânimos se inflamam.  Aí, tenha certeza de que todos os homens "de deus" vão berrar bem alto.  Contra quem?  As próprias mulheres, pois elas não podem ser donas de seus corpos e os homens, esses mesmos que não se importam se elas correm perigo mesmo grávidas, sabem o que é melhor para elas.



Ver os velhos políticos e jornalistas homens de direita, ou governistas, ou ligados ao lobby empresarial criticando as senadoras não me surpreende.  A reforma estava aprovada, nada fora um levante popular, talvez (*Há!  Há!  Há!*) poderia evitá-la nesse momento.  O problema foi ver mulheres, amigas, repassando no Facebook textos e memes de escritos também por homens de esquerda BABACAS e MACHISTAS fazendo pouco caso das senadoras.  Alguns até responsabilizando-as, porque elas, as senadoras, supostamente não tinham apoiado a greve geral (!!!) e que a saída seria a revolução.  Só digo uma coisa, a RadFem que dormita dentro de mim (*porque, sim, concordo e muito com o chamado feminismo radical*) diria o seguinte a revolução sonhada pelos machos dificilmente será a nossa.  E usei "dificilmente", porque há algo de otimista dentro de mim.


Ora, se perdemos direitos trabalhistas, que dificilmente serão recuperados, é culpa de uma maioria de homens brancos (*ou que se veem e são vistos e tratados como tal*) e ricos no Congresso que definem o futuro desse país. Há mulheres que votaram na reforma, deputadas e senadoras de partidos de direita ou de aluguel, uma ou outra, talvez, patrocinada pelo patronato, mas o mísero voto das poucas mulheres no legislativo brasileiro não define votação dessa monta, nem são elas as chamadas a falar sobre a atual conjuntura do país. Afinal, elas não lideram nada, nem na política, nem nos esquemas de corrupção, nem em seus partidos.  Mesmo que presidentas, e o PT tem uma presidenta, agora, só para citar um exemplo, o partido continua dominado pelos interesses e prioridades ditadas por homens.

O pouco que elas, Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Ângela Portela (PT-ES), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lídice de Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Kátia Abreu (PMDB-TO), fizeram ontem, foi o que pode ser feito nesse ambiente golpista em que vivemos agora. Será que você, amiga que repassa essas coisas, memes e textos desses caras de esquerda debochando delas, realmente crê no que repassa? Acredita que essa utópica revolução desses caras vai pensar em nós ou nos mandará esperar, porque, afinal, há questões maiores a definir?





Economia tem que ser eficiente, não justa.
— Cristovam Buarque (@Sen_Cristovam) July 11, 2017

Terminando, meu senador, o voto do qual mais me arrependo nessa vida (*E olha que votei em Garotinho quando tinha 17 anos*), Cristovam Buarque, votou a favor. E ainda disse no Twitter que economia não precisa ser justa, precisa ser eficiente. Em prol disso, da tal "eficiência" se pode matar, anotem aí. Eu sinto nojo dele, vergonha de alguém que eu imaginava acima da média dos políticos brasileiros, ainda que dado a uns rompantes ridículos.  Enfim, Reguffe, aqui do DF, votou contra.  Ele não teve meu voto na eleição passada, porque se colocou abertamente contra qualquer discussão sobre direito de aborto. A Katia Abreu, aquela que se tornou a amiga simbólica que qualquer um gostaria de ter no desfecho da queda de Dilma, também, votou contra. Acho que algo de realmente bom aconteceu com essa mulher.  Espero que repense outras coisas, também, ela ajudou na ocupação da mesa, ela, que é do PMDB, não precisava se expôr.

30/03/2017

Uma História de Terror do Século XXI


Não acho que vivemos um dos melhores momentos da história da humanidade e esse já é um ponto de partida pessimista para este breve texto.  Agora, às vezes, a gente se depara com umas notícias tão surreais que mesmo já tendo lido muita coisa, acaba ficando impactada.  E eu preciso escrever, preciso dividir essa pequena angústia.  2017, século XXI, e uma mulher de 36 anos é resgatada do cárcere privado no Ceará.  Viveu por 16 anos em um cubículo, sem luz elétrica, nua, sem banheiro em sua cela, sendo alimentada duas vezes ao dia, ela já não era capaz de falar. Era mantida trancada à cadeado e quando vinham lhe dar banho, sempre tentava fugir.  Tétrico, sem dúvida.

Motivo do encarceramento?  Ela engravidou aos 20 anos.  O pai e o irmão não aceitavam uma mãe solteira na família e decidiram escondê-la.  Quando o bebê nasceu, um menino, foi entregue para ser criado por outras pessoas.  A moça estudava, tinha uma vida normal, mas "deu um mau passo", como minha avó, nascida em 1930, diria.  Foi o suficiente para todo esse terror.  Os relatos (*1-2*) falam que ela tinha ficado abalada pelo fim de um relacionamento.  Normal, não é mesmo?  A maioria das pessoas que namora, rompe, enfim, já ficou abalada.  O filho veio de um rápido namoro posterior.  Um acidente?  Talvez e custou-lhe a juventude, atirou-lhe na prisão.


Em que ano estamos de novo?  É possível que o machismo seja tão perene, tão forte, que tais práticas persistam em nosso país?  Será que ninguém deu por falta dela?  No colégio ou faculdade?  As amigas?  Ninguém a procurou?  Toda a cidadezinha era cúmplice?  16 anos!  Quantos foram os cúmplices?  O delegado já localizou o filho.  Como se deu o acolhimento?  A família "adotiva" não sabia de nada?  Não estamos mais no século XIX, tampouco o Nordeste, ou mais especificamente o Ceará, vive em outra temporalidade.  E, pior, poderia ocorrer em qualquer outro canto do Brasil, não se enganem.  Não é o primeiro caso de cárcere privado de mulheres que leio, simplesmente, me pareceu o pior, o mais terrível.  Vivemos um mundo de paradoxos.  Modernidade e atraso, mas é mais fácil, ou menos difícil, que certas coisas aconteçam com as mulheres.  

O problema são as motivações arcaicas do caso, que sinalizam a prevalência do status inferior das mulheres, do fato da frágil honra dos homens depender do controle dos corpos das mulheres.  O responsável maior pela atrocidade, o irmão de 48 anos, está preso e pode pegar no máximo 8 anos de cadeia, mas eu duvido.  O pai, talvez a mente por trás do encarceramento, teve sei lá quantos AVCs e não responde por si.  A mãe da encarcerada, nunca concordou com o acontecido, mas se submeteu, se calou, não é o que o patriarcado exige?  Submissa, adoeceu e está entrevada em uma cama.  Seu único ato de resistência, segundo a matéria, foi adoece e parar de falar.


Eu fiquei me sentindo mal.  É fácil encher a boca e falar que nos rincões do Afeganistão, em um vilarejo perdido da Índia, em uma comunidade tribal em algum canto da África, as mulheres passam poucas e boas.  É aviltante, mas aceitável, pegar o livro Princesa e ler que um pai na Arábia Saudita mandou encarcerar a filha rebelde, mas, aqui, no Brasil, podemos ser uma terra de feminicídios, mas não somos tão arcaicos.  Somos, podemos ser.  Está aí.  E as fotos da prisão só me fazem imaginar o desespero desta mulher.

Desculpem, mas precisava comentar, chorar.  Eu sou mulher e feminista.  O sofrimento de qualquer mulher é meu sofrimento, também.  E eu só posso imaginar e imaginar já dói.  Eu tenho uma menina de três anos.  É terrível pensar que ela possa ser tirada de mim  Torço para que haja punição pelo menos para o irmão, mas qualquer  que seja, nada, nada vai compensar os anos roubados dessa mulher, o direito de maternar que lhe foi tirado, a desumanização, enfim.  Nada.

19/03/2017

Maternidade obrigatória


O canal do Dr. Drauzio Varella tem uma seção chamada Cabine e foi postado lá este vídeo muito interessante:


A discussão é sobre maternidade compulsória, a crença de que é o "destino" de todas as mulheres serem mães e seguindo o percurso "natural" casar  (*porque sem casar, é "puta", né?*), engravidar, ter a criança e a ela se dedicar sempre com um sorriso nos lábios, sem sequer poder contar com o apoio externo, do pai, só uma "ajudinha".  Enfim, assistam e dêem uma olhada nos vídeos da seção Cabine, são ótimos.