Vamos ver se, caso eleita, Dilma vai manter uma postura coerente com o que já disse sobre a questão, pois se for Serra, ele não vai fazer nada. Já a Marina, não sei, mas não acredito que ela tenha chances. Não permitir a interrupção de gravidez em caso de anencefalia é de uma crueldade e falta de respeito difíceis de imaginar. Especialmente quando quem legisla em sua maioria nunca poderá engravidar, mas vocês sabem que se os homens engravidassem, haveria postos de aborto na mesma proporção que postos de gasolina, ainda mais para casos como esses. Segue o artigo da secretária de Políticas para as Mulheres saiu na Folha de São Paulo.
Não as obriguem a sofrer
NILCÉA FREIRE
Sofrimento. Essa é a palavra que resume o sentimento de mulheres gestantes de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral). Além da dor imposta pelo diagnóstico, elas enfrentam uma verdadeira saga nos tribunais ao terem de negociar sua angústia com promotores e juízes em busca de conquistar o direito legal para interromper a gravidez. Infelizmente, no Brasil, a autorização para a antecipação de partos de fetos anencéfalos é feita caso a caso e envolve crenças e valores dos juízes. No último dia 17, mais um tribunal autorizou a interrupção da gestação de um feto anencéfalo.
Apesar de negada em primeira instância, a decisão da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi unânime. O relator, desembargador Alberto Henrique, enfatizou que a continuação da gravidez "tornou-se um sacrifício para a mãe". Essa liminar funda-se em três preceitos básicos da Constituição Federal de 1988: o respeito à dignidade humana; o direito à liberdade e à autodeterminação; e o direito a uma vida saudável.
Estima-se que, no país, 2.000 mulheres grávidas de fetos anencéfalos já interromperam a gestação por meio de alvarás judiciais. Na maioria, são mulheres pobres e usuárias dos serviços públicos de saúde, em que a exigência da autorização judicial é condição para o procedimento.
Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia apontam que mais de 97% dessas mulheres estão expostas a riscos de saúde. É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove meses a gravidez de um feto que nascerá morto ou morrerá instantes após o parto. Também é desumano submetê-la a uma gestação de risco. Nessa situação, é inegável a atitude autoritária do Estado, que força mulheres a se manterem grávidas contra sua vontade.
Portanto, é fundamental deixar claro que as mulheres não necessitam de tutela para tomar decisão; elas necessitam de informação e apoio para fazer suas escolhas. Nesse processo, é importante que elas sejam vistas como sujeitos de direito e respeitadas como tal. Diante desse contexto, urge que o Supremo Tribunal Federal coloque na pauta de seu pleno a questão. As quatro audiências públicas realizadas ao longo de 2009, que contaram com a participação de representantes governamentais, entidades da sociedade civil e especialistas da área forneceram elementos fundamentais à decisão dos ministros, incluindo toda sorte de contraditórios.
É preciso que haja uma decisão definitiva sobre o caso para que gestantes não sejam submetidas a uma verdadeira via-crúcis. Estudos mostram que a maioria das mulheres grávidas de fetos anencéfalos prefere antecipar o parto. Pesquisa feita em 2008 pelo Ibope mostra que 72% das mulheres católicas entrevistadas são a favor de que grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar entre interromper a gestação ou mantê-la.
Uma alteração na legislação vigente não significará a obrigatoriedade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, mas a facultará e reconhecerá que o direito à não violência é inalienável. É fundamental, nesses casos, que as mulheres possam decidir se desejam ou não levar adiante a gestação, e o Estado deve garantir todos os recursos necessários para dar suporte às suas escolhas.
NILCÉA FREIRE, 57, médica, é ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Não as obriguem a sofrer
NILCÉA FREIRE
Sofrimento. Essa é a palavra que resume o sentimento de mulheres gestantes de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral). Além da dor imposta pelo diagnóstico, elas enfrentam uma verdadeira saga nos tribunais ao terem de negociar sua angústia com promotores e juízes em busca de conquistar o direito legal para interromper a gravidez. Infelizmente, no Brasil, a autorização para a antecipação de partos de fetos anencéfalos é feita caso a caso e envolve crenças e valores dos juízes. No último dia 17, mais um tribunal autorizou a interrupção da gestação de um feto anencéfalo.
Apesar de negada em primeira instância, a decisão da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi unânime. O relator, desembargador Alberto Henrique, enfatizou que a continuação da gravidez "tornou-se um sacrifício para a mãe". Essa liminar funda-se em três preceitos básicos da Constituição Federal de 1988: o respeito à dignidade humana; o direito à liberdade e à autodeterminação; e o direito a uma vida saudável.
Estima-se que, no país, 2.000 mulheres grávidas de fetos anencéfalos já interromperam a gestação por meio de alvarás judiciais. Na maioria, são mulheres pobres e usuárias dos serviços públicos de saúde, em que a exigência da autorização judicial é condição para o procedimento.
Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia apontam que mais de 97% dessas mulheres estão expostas a riscos de saúde. É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove meses a gravidez de um feto que nascerá morto ou morrerá instantes após o parto. Também é desumano submetê-la a uma gestação de risco. Nessa situação, é inegável a atitude autoritária do Estado, que força mulheres a se manterem grávidas contra sua vontade.
Portanto, é fundamental deixar claro que as mulheres não necessitam de tutela para tomar decisão; elas necessitam de informação e apoio para fazer suas escolhas. Nesse processo, é importante que elas sejam vistas como sujeitos de direito e respeitadas como tal. Diante desse contexto, urge que o Supremo Tribunal Federal coloque na pauta de seu pleno a questão. As quatro audiências públicas realizadas ao longo de 2009, que contaram com a participação de representantes governamentais, entidades da sociedade civil e especialistas da área forneceram elementos fundamentais à decisão dos ministros, incluindo toda sorte de contraditórios.
É preciso que haja uma decisão definitiva sobre o caso para que gestantes não sejam submetidas a uma verdadeira via-crúcis. Estudos mostram que a maioria das mulheres grávidas de fetos anencéfalos prefere antecipar o parto. Pesquisa feita em 2008 pelo Ibope mostra que 72% das mulheres católicas entrevistadas são a favor de que grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar entre interromper a gestação ou mantê-la.
Uma alteração na legislação vigente não significará a obrigatoriedade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, mas a facultará e reconhecerá que o direito à não violência é inalienável. É fundamental, nesses casos, que as mulheres possam decidir se desejam ou não levar adiante a gestação, e o Estado deve garantir todos os recursos necessários para dar suporte às suas escolhas.
NILCÉA FREIRE, 57, médica, é ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br