05/10/2018

O direito de enterrar os mortos é uma lei que antecede qualquer lei

Antígona de Marie Spartali Stillman.
Poucas coisas me parecem mais desesperadoras do que perder um ente querido e não ter seus restos mortais para, pelo menos, enterrá-los. Dar sepultura é algo importante para a maioria das culturas humanas desde a Pré-História, é algo ligado ao que chamamos de minimamente de humano.

Em uma das peças gregas que eu mais gosto, Antígona (*para download, aqui*), a protagonista sacrifica sua vida para dar sepultura ao irmão, condenado pelo tio, então rei, a apodrecer nos campos e ser devorado pelas feras. Em um dos embates da peça, ela argumenta com o tio-rei que há uma lei não escrita, anterior a qualquer lei humana que a obriga a fazê-lo. Ela termina encerrada com o cadáver do irmão no mesmo túmulo, mas morre acreditando que fez o que é certo, o que é justo, sem recuar.

Tentativa de identificar os desaparecidos
na vala comum do cemitério de Perus, SP.
Debochar das mães e pais que sofrem é ter desprezo por princípios mínimos de civilização. Tem dúvidas? Olhe para seu filho, ou filha, e se imagine procurando sem fim por ele, ou ela, sem encontrar, nunca tendo a certeza que somente o cadáver pode lhe dar. Tenha empatia e escolha bem seu candidato.


04/10/2018

Quantas vezes irão matar Marielle novamente? E quantos mais terão que morrer?


Começam destruindo os marcos de memória, uma placa, neste caso. A placa não é Marielle, que junto com seu motorista foi executada em um crime político, mas a representa. Tente imaginar o que pode começar a acontecer depois da vitória de certo candidato. Vocês acham que esses fascistinhas bombados que quebram placas e as exibem orgulhosamente, terão algum problema em quebrar pessoas - homossexuais, mulheres, supostos esquerdistas, enfim, qualquer um - que cruzem seu caminho, que pareçam se opor aos seus valores elevados? Certamente, não terão. E poderão contar com a impunidade. Em tempo, quem matou Marielle e Anderson?

Para quem não sabe, quem foi Marielle Franco, que caiu aqui de pará-quedas.  Ela foi vereadora do PSOL carioca, negra, de origem pobre, nascida na Favela da Maré.  Foi a quinta parlamentar mais votada do Rio, mãe, feminista, fruto de pré-vestibular comunitário (*eu lecionei em um desses no Rio quando estava na graduação*), socióloga, mestre em administração pública, defensora dos direitos humanos, denunciava as ações das milícias e era relatora da comissão que tem como função fiscalizar a intervenção federal no Estado do Rio foi executada.  Ela teve seu carro abalroado e foi morta com quatro tiros na cabeça em março passado.  Anderson, o motorista,  era um pai de família, trabalhador, com uma criança bem novinha para sustentar, terminou assassinado, também.  Não há dúvidas, hoje, de que foi um crime político.  Quem matou Marielle, não sabemos, mas o Brasil está sendo cobrado internacionalmente por sua incompetência em resolver o crime.

Para se ter uma ideia, os sujeitos que se exibem orgulhosamente são candidatos pelo PSL, um para deputado estadual, outro, federal.  Um deles é advogado, o outro, policial militar.  Não é gente sem noção de como se comportar em púbico, ou em relação à coisa pública, eles fizeram o que fizeram por desejarem a exposição e conhecerem o seu eleitorado.  Será que esse tipo de cidadão brasileiro é a maioria?  Eu acredito que não sejam.

Não vou votar no PT no primeiro turno, não estou pedindo sequer voto para o meu candidato, estou pedindo bom senso.   Há outras opções, mesmo que a sua opção não seja a mesma que a minha. Agora, se você não é fascista, não deveria endossar com seu voto esse tipo de atitude simbólica. Há tempo para parar essa onda. 

Se você é cristão, favor procurar na sua Bíblia onde nosso Deus sanciona esse tipo de escárnio, ou o desprezo pelo pobre, pelo fraco, pelo descaso pela dor do próximo. Procure um texto no Novo Testamento que possa justificar o fascismo, ou a barbárie, ou a covardia, ou ainda a mentira. Se encontrar, mantenha seu voto.

#ELENAO Nem ele, #NEMMOURAO

30/09/2018

Alguns comentários sobre o #ELENAO em Brasília


Ontem, aconteceram em nosso país as maiores manifestações de rua das eleições presidenciais de 2018, a maior manifestação organizada por mulheres da história de nosso país, com eventos em 26 estados e várias cidades do mundo.  No entanto, as nossas TVs praticamente ignoraram as manifestações ou fizeram falsa simetria com pequenas aglomerações de apoio ao candidato do PSL.  O nosso principal jornal local, o Correio Braziliense, fez uma cobertura negligente.  Enfim, decidi colocar minhas impressões da marcha de Brasília.  Elas são pessoais e não estava ligada à coletivos, ou mesmo partidos, para ver anomalias que algumas pessoas pontuaram. O que eu vi, foi uma diversidade enorme de pessoas, a maioria mulheres, marchando contra o fascismo.  Agradeço a leitura:

Cheguei na Rodoviária do Plano Piloto, local da concentração, perto de 14h50. Deixei o carro no Conjunto Nacional e enquanto me dirigia para a concentração vi vários grupos estavam se encontrando pelo caminho.  Estar sozinha foi muito chato, mas não podia levar minha filha de 4 anos para o sol quente, nem expô-la a uma possível situação de violência.  Sim, eu temia uma reação, afinal, aqui, em Brasília, o candidato do PSL lidera as pesquisas com folga.  Na concentração, como estava muito forte o sol, as pessoas se abrigavam em grandes grupos embaixo das árvores que encontravam. Logo dei de cara com duas ex-alunas, fiquei feliz em vê-las.


Havia uma senhora observando a aglomeração com duas meninas, uma deveria ter a idade da minha Júlia, talvez, um pouco mais velha, a outra era mais nova. Eu comentei com ela que estava muito sol, que deixara a minha em casa com o pai. Ela disse que só tinha vindo olhar a movimentação, que não dava para seguir com as duas menininhas, mas que o marido nunca aceitaria ficar com elas em casa...  Coisas que nós, mulheres, enfrentamos.

Perto das 15h, começou a andar a manifestação. Daí, encontrei um colega professor, que é uma pessoa muito querida.  Fiquei feliz em vê-lo. Até a Torre de TV é uma caminhada, pior ainda por ser uma rampa, uma subida mesmo. O sol estava inclemente. Às vezes, passava algum carro buzinando em apoio, um ou outro passava xingando, algo mais raro. De repente, uma pequena confusão, atearam fogo a uma lixeira. Não ficou claro se tinha sido gente do grupo. Uma senhora perto de mim "Eles não pensam nas crianças".


Havia boa quantidade de crianças, algumas em carrinhos, umas no sling (*saudade do tempo em que levava a minha no sling*). A maioria eram maiores, as que não cabem mais no colo. Uma que me surpreendeu foi um menino cego com a mãe (*imagino que fosse*), deveria ter uns 9 anos e estava com a típica bengala. Mais surpreendente ainda era um senhor com duas próteses nas pernas e duas muletas. Parecia não se intimidar com o sol, ou a subida. Algo que me deixou surpresa e feliz era a quantidade de senhoras idosas na marcha, umas visivelmente de classe média, outras com bandeiras da marcha das margaridas (*trabalhadoras rurais*), algumas tinham com certeza mais de 80 anos. Um homem perto de mim comentou com as mulheres de seu grupo "Só mesmo esse monstro pra fazer a gente encarar esse sol de Brasília a esta hora".

Muitas bandeiras dos partidos esperados, PT, PSTU, PC do B. Algumas do PDT. O mais surpreendente foi o povo da REDE. As bandeiras se destacavam do vermelho predominante, das bandeiras do arco-íris e do lilás que era meio que cor tema da marcha por serem verdes e brancas. Já dos partidos de direita não vi nenhuma representação. Parece que a dignidade das mulheres não é problema deles.


Seguimos até a Torre de TV. Já perto, encontrei outro colega professor. Muita gente estava esperando a chegada do grupo no ponto final da manifestação.  Como vi fotos de outros conhecidos e amigos, realmente devia haver muita gente, o que dificultou os encontros mesmo casuais. Os gritos e cantos eram contra Bolsonaro, mas deveriam ter dado atenção à Mourão. Vi pelo menos um cartaz fazendo referência a sus fala infeliz sobre famílias chefiadas por mães e avós. Para mim, o canto deveria ser "Ele não. Nem ele, nem Mourão."

A organização falou em 30 mil pessoas no final, no começo, disseram que a PM dissera que eram 10 mil, mas eu não sou boa para avaliar essas coisas. O fato é que havia muita gente dispersa, o centro de Brasília tem espaços muito amplos. Havia gente na pista, nos gramados, do outro lado do Eixo Monumental, gente que saiu de dentro da feira da Torre para se juntar ao ato final.  Se no início da concentração falaram mulheres dos movimentos sociais, no final, foi a vez, principalmente, das falas das candidatas do PT, PSOL, PSTU e da REDE. Mais espaço para o PT, mas Erika Kokay e Arlete dominam melhor o microfone, eu diria.


O que faltou? Como estávamos perto da Feira da Torre, deveriam falar da proposta de corte do 13º salário e abono de férias.  De novo faltou bater no Mourão, além das taxações já vazadas pelo economista de Bolsonaro (*alíquota única para o Imposto de Renda, da volta da CPMF*). O movimento é de mulheres, mas a opressão será para todos. Seria muito importante lembrar e atrair a atenção de quem trabalha no local.

De resto, foi muito bom ter ido. Ainda estou sem voz, então não pude gritar. E estava com dor de estômago desde antes de sair que só foi piorando. Quando deu 17h, eu comecei a tentar voltar para casa. O mal estar era grande, mas eu não poderia deixar de ir.  Tive que pegar um táxi até o Conjunto Nacional, me arrependi de ter ido de carro.  Se estivesse de condução, poderia ter arrumado jeito de ir direto para casa.  Valeu, no entanto, conversar com o taxista, que disse que não vota em Bolsonaro de jeito nenhum.  Que se multiplique a rejeição até o dia da eleição.