22/08/2010

Agressão à Mulher – Os novos covardes


Ótima matéria do Correio Braziliense sobre violência contra as mulheres e os preconceitos dos profissionais ligados ao atendimento das vítimas. Clique no Infográfico e leia algumas das falas que estão na tese de doutorado da Prof.ª Marilda de Oliveira Lemos. Falando nisso, a casa abrigo para as mulheres vítimas de violência de Brasília foi despejada, porque o GDF não pagou o aluguel. É o (des)governo abandonando as mulheres vítimas da violência doméstica e possibilitando que elas sejam alvo de novas agressões por parte de maridos e companheiros, principalmente. Segue a matéria, ela era somente para assinantes.

Agressão à Mulher – Os novos covardes

Nas últimas décadas, elas foram estimuladas a denunciar a violência e abandonaram a postura de silêncio. Mas hoje, mesmo com todas as conquistas, enfrentam a visão machista e preconceituosa de quem deveria prestar todo o apoio

Renata Mariz

De Ângela Diniz, morta em 1976 com um tiro pelo ex-companheiro, ao possível assassinato de Eliza Samudio, do qual o maior suspeito é o ex-amante Bruno Fernandes de Souza, que jogava no Flamengo, muita coisa mudou. As mulheres saíram das amarras machistas, conquistaram bons espaços no mundo profissional, ganharam autonomia sobre o próprio corpo e deixaram de silenciar as agressões sofridas no lar. Com quatro anos de existência, a Lei Maria da Penha contribuiu para esse comportamento mais ativo. Mas vencer as resistências referentes ao novo papel na sociedade do chamado sexo frágil ainda é um desafio. Nem os agentes policiais que geralmente são os primeiros a terem contato com as vítimas da violência doméstica escapam da visão preconceituosa.

Essa foi a conclusão de uma pesquisa apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). O objetivo da autora, a assistente social Marilda de Oliveira Lemos, era conhecer as representações sociais de gênero entre agentes policiais de delegacias de defesa da mulher e de distritos policiais. Com base nas entrevistas com seis delegados e seis escrivães, todos de serviços localizados em Santo André (SP), Marilda constatou uma mentalidade extremamente machista. “Alguns, não apenas nas entrelinhas, mas explicitamente, sustentam a subordinação da mulher ao homem. Essa visão, transformada em prática profissional, poderá fazer a diferença no momento de interpretar e aplicar a Lei Maria da Penha”, diz Marilda.

Segundo a pesquisadora, um tom desqualificador da ação das mulheres e um tom conivente com os agressores foram recorrentes nas entrevistas (leia trechos abaixo). Para Ana Cláudia Pereira, consultora do Centro de Estudos Feministas e Assessoria (Cfemea), o preconceito apontado pelo estudo acadêmico é sentido na prática. “Recebemos mulheres que nos procuram pedindo ajuda porque não conseguiram fazer a denúncia. É clara essa ideia entre alguns agentes da polícia e operadores do direito de que a mulher ou provocou a agressão ou a agressão não foi tão séria assim. Muitos, aliás, ressentem-se do trabalho a mais depois da Lei Maria da Penha”, destaca Ana Cláudia. O tema da violência doméstica foi ressaltado na última semana devido aos 10 anos do assassinato de Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves, que não aceitava o fim da relação.

Vítimas da violência

Antes e depois do caso Pimenta Neves, o assassinato de mulheres chocou o país algumas vezes. Veja os crimes de maior repercussão:

Ângela Diniz

Raul Fernandes do Amaral Street, conhecido por Doca Street, matou a namorada Ângela Diniz, apelidada de Pantera de Minas, em 1976, com um tiro, por não aceitar o fim do relacionamento. Cumpriu pena por homicídio.

Eliana de Gramond

Vinte dias após o desquite formalizado, o cantor Lindomar Castilho alvejou a ex, também cantora, em um bar em São Paulo. O crime ocorreu em 1981 e Castilho pegou pena de quase 13 anos, boa parte cumprida em regime aberto.

Eloá Pimentel

Depois de manter Eloá Cristina Pimentel refém por mais de 100 horas, porque a adolescente de 15 anos terminou o namoro, Lindemberg Alves baleou a garota. O rapaz está preso desde o assassinato, em 2008. O julgamento não tem data marcada.

Eliza Samudio

Eliza Samudio desapareceu em junho. A polícia sustenta que a moça foi seqüestrada e assassinada a mando do goleiro Bruno Fernandes, que jogava no Flamengo. Eliza era amante de Bruno e exigia que ele reconhecesse a paternidade de seu filho. O jogador está preso.

Dado depõe até sexta-feira

O ator e cantor Dado Dolabella, acusado pela ex-mulher Viviane Sarahyba de agressão, será intimado pela Justiça para prestar depoimento nos próximos dias. A juíza Maria Cristina Brito Lima, da 1ª Vara da Família, na Barra, Rio de Janeiro, expediu a intimação e, agora, o artista terá cinco dias para se explicar às autoridades. Viviane entregou à juíza inúmeros documentos que comprovariam as agressões de Dado.

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05/08/2010

Direitos humanos e diplomacia nuclear devem andar juntos, diz Nobel da Paz


Para o Brasil de Lula, parece que, não é. Se bem que nenhum país tem gritado para a Arábia Saudita (onde a cidadania feminina é piada) ou para a China (2ª economia do mundo) ou Israel. Obviamente, isso não desculpa Lula, mas ajuda a compor um quadro de hipocrisia mundial que nossos jornais tendem a ignorar. É como se fosse problema somente do governo brasileiro, e deste especialmente, e não uma prática corrente. A diferença é que o Irã é inimigo dos EUA. Não pensem que eu estou relevando a execução, não é isso, ou a covardia e atraso do governo brasileiro em se posicionar, especialmente quando parece ter acesso privilegiado aos governantes do Irã, mas é preciso pontuar essas questões também. Espero que ainda seja possível reverter a questão. O artigo veio do site da Folha de São Paulo.

Direitos humanos e diplomacia nuclear devem andar juntos, diz Nobel da Paz

SHIRIN EBADI, ativista de direitos humanos e primeira mulher muçulmana a receber o Nobel da Paz, analisa as relações entre Brasil e Irã.

O angustiante caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, mãe de dois filhos que um tribunal iraniano sentenciou à morte por apedrejamento em um caso de adultério, atraiu merecida atenção mundial ao draconiano código penal do Irã, que reserva suas mais cruéis punições às mulheres. A prática do apedrejamento, especialmente, é tão repulsiva que até mesmo aliados políticos como o Brasil se sentiram compelidos a agir.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu asilo a Ashtiani, no final de semana, por meio de um apelo direto ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. O Irã ainda não respondeu formalmente, e um líder estrangeiro não tem influência direta sobre um processo judicial interno. Mas a intervenção brasileira envia uma mensagem poderosa à República islâmica: seu histórico de direitos humanos não poderá ser separado de sua diplomacia nuclear.

Antes da Revolução Islâmica de 1979, nos anos em que eu trabalhava como juíza no Irã, relações sexuais consensuais entre adultos não constavam do código penal. A revolução impôs uma versão da lei islâmica extraordinariamente rigorosa até mesmo pelos padrões dos países muçulmanos, tornando o sexo extraconjugal crime passível de punição legal. Sob o código penal revolucionário, a punição para homem ou mulher solteiros que pratiquem sexo extraconjugal passou a ser de cem chibatadas; e o artigo 86 dispõe que uma pessoa casada culpada de adultério seja morta por apedrejamento.

À primeira vista, o apedrejamento não é punição aplicada de acordo com o sexo da pessoa envolvida, pois a lei estipula que homens adúlteros enfrentem o mesmo fim brutal. Mas porque a lei iraniana permite a poligamia, na prática oferece aos homens uma rota de fuga: eles podem alegar que sua relação adúltera constituía na verdade um casamento temporário (a lei iraniana reconhece 'casamentos' de apenas algumas horas de duração, entre homens e mulheres solteiras). Os homens em geral aproveitam essa cláusula de escape, e são raramente sentenciados à morte por apedrejamento. Mas as mulheres casadas acusadas de adultério não têm direito a essa exceção.

Mesmo desconsiderada a barbárie do apedrejamento, os códigos leais do Irã estão repletos de incoerências e indefinições que tornam impossível respeitar os princípios do direito. O código aponta que se um homem ou mulher tiver negado o acesso sexual a seu cônjuge devido a viagens ou outras formas prolongadas de separação, cem chibatadas bastam como punição por adultério, mas a duração dessa separação aceitável não é definida.

O apedrejamento também pode ser comutado a por uma sentença de punição com chibatadas nos casos em que uma mulher casada faça sexo com um menor de idade (a lei iraniana define a idade de maturidade sexual como nove anos para as meninas e 15 para os meninos). Em termos reais, isso significa que uma mulher casada que cometa adultério com um homem de 40 anos de idade deve ser sentenciada à morte por apedrejamento, mas caso cometa o mesmo ato com um menino de 15 anos --ou seja, explore sexualmente um menor de idade--, tem o direito a uma sentença mais branda.

O processo criminal por adultério e a promulgação da sentença de morte por apedrejamento não requerem nem mesmo que exista um queixoso pessoal; se for possível provar que um homem ou mulher cometeu adultério, mesmo que o cônjuge o perdoe, o transgressor deve ser executado por apedrejamento. O artigo 105 permite que um juiz sentencie uma adúltera com base apenas na queixa de seu marido.

Esses lapsos gritantes são apenas os mais visíveis dos motivos por que o Irã precise reconsiderar sua prática de uma punição tão antiquada que a maioria dos países islâmicos há muito descartaram em seu esforço de harmonizar o islamismo às normas modernas.

O apedrejamento vem sendo criticado há muito por diversos juristas islâmicos, mais notavelmente o aiatolá Yousef Saanei. Esses juristas acreditam que uma punição dessa ordem era aplicada nos dias iniciais do advento do islamismo, no século 7º, no deserto da Arábia Saudita, de acordo com os costumes então vigentes. Apontam que o Corão não menciona apedrejamento e acreditam que punições mais amenas, como multas ou prisão, podem ser consideradas.

Advogados, ativistas dos direitos humanos e juristas condenam a prática do apedrejamento desde que esta foi adotada no sistema de Justiça criminal da República Islâmica. Infelizmente, a República Islâmica do Irã se manteve indiferente aos seus protestos. Talvez agora, diante das críticas de um poderoso aliado como o Brasil, Teerã se veja forçada a considerar se sua adesão a esse tipo de prática de fato serve aos interesses nacionais.

Para evitar os protestos internacionais que os casos de apedrejamento em geral suscitam, o governo se abstém de anunciar publicamente os veredictos de execução por apedrejamento. É apenas lentamente, por meio de informações passadas de boca em boca por familiares e advogados, que os casos chegam ao conhecimento da mídia. Por isso, nem mesmo sabemos exatamente quantos iranianos receberam essa punição nas três últimas décadas.

Há 18 meses, a mídia iraniana reportou que um homem havia sido executado por apedrejamento na cidade de Qazvin. E agora, uma mulher chamada Sakineh Ashtiani enfrenta a possibilidade de um destino semelhante. Além disso, há outras pessoas que podem estar na mesma situação sem que ninguém saiba.


Tradução de PAULO MIGLIACCI