01/11/2010

Eu vi a primeira presidente do Brasil ser eleita!



Eu avisei que escreveria um post para o Shoujo Café comentando a eleição de Dilma caso a coisa se concretizasse, e trouxe o post para cá. Da mesma forma que postei sobre a eleição de Obama, comento a de Dilma... Damesma forma, não, com muito mais prazer! Não vou discutir coisas que acho tolas como a frase “chegou a hora do Brasil ter uma mulher presidente”. Mulheres com competência para governar sempre tivemos, mas elas eram descartadas, bloqueadas, simplesmente pelo fato de serem mulheres. Quando princesas, a sua condição nobiliárquica lhes dava está possibilidade, sem passar por eleição. A Princesa Leopoldina exerceu função de governante quando D. Pedro estava na viagem a São Paulo que culminou no famoso sete de setembro. A Princesa Isabel ocupou o lugar do pai várias vezes. Mas eleita, ou mesmo candidata, nenhuma mulher tinha sido. Só de ter dois nomes femininos fortes na eleição, Marina Silva e Dilma, já era uma situação anômala.

Eu realmente não acreditava, quando sua candidatura foi lançada, que Dilma conseguisse chegar ao Planalto. E não por ser mulher, mas por ser desconhecida. Lula era uma estrela antes de eleito e sua popularidade só fez subir. E ele conseguiu transferir sua simpatia e popularidade para Dilma. Carisma é algo que não se transfere, agora, Dilma eleita terá que mostrar a que veio. No entanto, repito o que disse de Obama: Sei que efetivamente o fato dela ser mulher não representa coisa nenhuma, fora do ato simbólico que é ver uma mulher eleita em um país tão machista, tão carregado de preconceitos, e com uma campanha tão suja como aconteceu este ano. Hoje mesmo na Igreja, dois de meus alunos adolescentes me perguntaram em quem eu ia votar. O garoto, que iria votar em Serra, ficou horrorizado porque eu , professora de história, votaria em uma terrorista. Sim, a campanha de Serra fez questão de infamar quem lutou ativamente contra a ditadura, quando ele próprio o fez, ainda que sem pegar em armas. Já a outra menina, que não vota ainda, argumentou que era melhor anular o voto, porque “Dilma é sapatão”. Em uma campanha séria essas mentiras ficariam de fora, mas não foi assim. E a cereja do bolo foi Bento XVI aparecer para dar pitaco. Enfim, por toda a angústia e nojo que Serra me fez passar, desejo a sua morte política. Como ele traiu Alckmin e Aécio, os dois grandes vitoriosos do PSDB, tomara que eles o enterrem sem honras. E gostaria muito de ver o PSDB refundado, retomando seu ideário social-democrata e afastando-se da ala mais repulsiva da direita no Brasil. Será que isso acontecerá?

Enfim, não credito a vitória à Dilma. O vencedor é Lula, mas ela vai governar e irá imprimir a sua marca, juntando-se às outras 17 mulheres que estão no poder no mundo hoje. Pensem em quantos países temos e depois percebam como esse número é pequeno. Por isso mesmo, Dilma já está fazendo história. Sua importância é enorme. E eu sei que ela é capaz de governar com energia e competência. Rindo ou séria, cordial ou incisiva, ela será criticada e terá um governo dificílimo. Será julgada pelas suas rugas, pelas roupas que veste, pela cor do batom, por não ter marido e tudo mais que vocês sabem ser fundamental para um bom governo... feito por uma mulher, claro! E eu gostei da fala da queridíssima Marina Silva no Twitter, lembrou-me um pouco a elegância de McCain depois da vitória de Obama: “Quero parabenizar a ministra Dilma duas vezes. Por sua eleição como presidente e por ser a primeira mulher eleita para o cargo na República. (...) Aquela que era a candidata de uma parte dos brasileiros, a partir de agora, é a presidente eleita de todos nós nos próximos quatro anos”. Era essa a dignidade que muitos esperavam de Serra, mas ele não ofereceu. Não me surpreende. Ele agora deve estar sonhando com um possível golpe.

Enfim, eu estou muito feliz mesmo. Ouvi tanta bobagem por aí, recebi tantos e-mails sujos, ouvi e li tanta bobagem e mentira nos principais jornais e revistas deste país que me sinto de alma lavada. Agora, é esperar a próxima carga. A primeira já vemos no Twitter, é a culpabilização do Nordeste, esquecendo que mesmo em São Paulo e Rio Grande do Sul a diferença entre os candidatos foi apertada e que em Minas Gerais e Rio de Janeiro, dois dos cinco principais colégios eleitorais do Brasil, a vitória de Dilma foi convincente. Serra só ganhou nos estados dominados pelo agronegócio, e só ganhou de lavada em estados de pouca expressividade, como o Acre. Depois de tanto sofrimento, 11 milhões de votos de diferença não podem ser desdenhados... Salvo pelos maus perdedores. E a demonização do nordeste só vem confirmar o racismo e classismo mal disfarçado de alguns sulistas e paulistas que não olham seu próprio rabo. Vejam que São Paulo (*e não pensem que estou dizendo que todo paulista e paulistano votam mal assim*) elegeu Maluf, Clodovil, Enéas e Tiririca com recorde de votos. E, na boa, desse grupo, acho que o Tiririca periga ser o único do lote que talvez se salve em alguma coisa.

Mas voltemos para Dilma. Não sei se ela será uma excelente governante, mas ela nos livra de Serra e isso conta muito. Ela é uma construção (*guardem isso, porque é verdade*) de Lula, que foi o grande vitorioso do pleito. E o momento de grande emoção no discurso de Dilma, o único em um pronunciamento estudado e morno (*e sem menção aos direitos de todos independente de sua "orientação sexual" e com Magno Malta ao fundo*), foi quando o presidente foi citado. Ele triunfou sobre aquilo que há de mais reacionário no Brasil. Não é perfeito, tenho muitas críticas ao presidente Lula, mas é muito melhor que o Serra, a TFP, a ala direitista da Igreja Católica, o próprio Papa, o Silas Malafaia e tantos outros grupos e pessoas, como os que estão xingando o nordeste no Twitter. A maioria do povo brasileiro mostrou algum bom senso desta vez. Os que queriam "queimar a bruxa", talvez estejam agora colocando avatares de luto nos sites de relacionamento. Antes eles do que eu! Desejo à Dilma, que eu não acreditava ver eleita, que se impôs como minha candidata diante de todo esse circo eleitoral, um excelente governo, que ela coloque sua marca pessoal para além do ineditismo de representar todas as mulheres brasileiras. Sei que vamos subir sabe-se lá quantas posições no relatório de desigualdade de gênero. Espero que uma mulher presidente sirva para que tenhamos também mais governadoras, prefeitas, deputadas, senadoras e vereadoras.

Se um dia tiver filhas e filhos, quero poder recontar essa campanha, essa angústia, todas as humilhações que Serra impôs às mulheres, da apropriação discusiva dos nossos corpos, ao trazer o aborto para o centro do debate, até o estímulo à prostituição das suas eleitoras bonitas que deveriam trocar encontros com pelo menos 15 homens por votos. Mas ele perdeu, e toda essa corja terá que engolir uma mulher presidente. Enfim, daqui a pouco acordo para trabalhar e faço questão de ligar a TV para ver o Catão do SBT, o José Neumanne Pinto repetir que Dilma era uma candidata tão ruim que só o Aécio Neves seria capaz de perder para ela. Dilma e Aécio, talvez seu oponente daqui quatro anos, venceram, Serra e a PIG (Partido da Imprensa Golpista) foram derrotados. E vamos comemorar!

P.S.1: Para quem não entendeu a referência à Catão, trata-se de um estadista romano que terminava todo e qualquer discurso, segundo a lenda, com a frase "Ceterum censeo Carthaginem esse delendam" ("Por outro lado, opino que Cartago deve ser destruída"). Isso, porque Cartago tinha humilhado Roma e deveria ser varrida. Neumanne Pinto aproveitava de todas as suas inserções no jornal do SBT para falar mal do PT, poderia ser comentário de qualquer notícia de lingerie à futebol, mas sempre tinha que concluir com alguma crítica ao PT ou à Lula ou à Dilma.
P.S.2: Catão disse que não houve oposição, por isso Dilma venceu. Que todos foram intimidados e chantageados por Lula. Bem, ele não viu a mesma eleição apertada que eu vi. DSeve continuar fazendo a oposição surtada à Dilma só para manter a tradição.

4 comentários:

  1. Lindo o seu texto! E quanto ao José Neumanne Pinto, também costumo assistir suas intervenções no jornal da noite e não me esqueço do dia em que ele perguntou, como quem não quer nada, por onde andam os militares... Não sei se você viu esse dia, mas deu nojo.

    Abçs

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  2. Valeria, que legal achar o seu blog! Escrevo desde os Estados Unidos, e os computadores publicos nao tem teclado para lenguas nao inglesas; desculpe a falta de gramatica.

    Uma coisa que eu acho bem machista e nao ver a Dilma como pessoa com experiencia propia na politica e no mundo. Quando leio coisas como 'ela foi feito pelo Lula' ou vejo uma photo dela com a barba dele, fico zangada. E o tipico machismo mesmo. Ha muitos presidentes que escolhem um homen, ou ministro ou do seu gabinete, e ninguem critica. E obvio que ela, sendo mulher, e visto como uma extensao dele e nao como pessoa propia, que talvez faca uma administracao melhor que a dele.

    Falaram a mesma coisa em 2008, aqui, quando a Hillary Clinton fez campanha. Ninguem lembrava que a Hillary comecou sua vida politica aos 15 anos, na escola secundaria, e nunca parou. Ela tem muito, mais muito mais experiencia que Obama.

    Se o Brasil e o pais do futuro, faz sentido que tem hoje uma presidenta. Os Estados Unidos me parece cada vez mais o pais do passado.

    Parabens para todas voces! :)

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  3. VALERIA,

    nós vimos!!!

    E gostei de saber que você é fluminense, pois fico mais à vontade como carioca de dizer-lhe algo sobre o feminismo, que é o foco do seu blog.

    Hoje temos a avó do Gabriel como futura presidente do Brasil.

    A avó do Gabriel, além de mulher é também feminina, e mesmo quando guerrilheira, jamais perdeu sua feminilidade.

    Em plena campanha politica, ela saiu correndo para dar calor, amor e babar seu neto Gabriel que acabara de nascer!

    Ao sair , perguntou a uma assessora se os seus dentes estavam sujos de batom, e após a negativa teria dito:

    -"Então vamos continuar a campanha".

    Este episódio é um recorte exemplar da tese que sempre defendi em relação ao movimento de emancipação da mulher, que aqui em frente a Faculdade de Filosofia,no RJ nos entricheirávamos para bolar slogans em defesa pela liberdade sexual, emancipação da mulher, direitos , enfim...

    Hoje, tenho a autoridade moral para dizer-lhe o seguinte: Os avanços foram extraordinários nesta área, esta aí a avó do Gabriel que não me deixa mentir, mas os retrocessos estão sendo absolutamente incontroláveis, indesejáveis e alguns altamente comprometedores para a imagem da mulher no seculo XXI.

    Além das mulheres frutas,das siliconadas,das "meninas raves" e da irrsponsabilidade da maternidade aos 12,13 anos, grandes executivas, e gestoras de empresas importantes, são verdadeiras mulheres de çalças, literalmente.

    Ou seja, IMITAM OS HOMENS naquilo que os homens sempre tiveram de pior e que elas mesamas sempre criticaram.

    A isto eu chamo de falta de IDENTIDADE CULTURAL DA MULHER, que não pode se acomodar na liberdade conquistada e sim, ser um gênero específico e diferente do HOMEM , ter identidade cultural própria e infelizmente o tema não dá para ser aqui desenvolvido.

    Nem caberia.

    Mas, vale para a reflexão.

    Apesaar dos meus blogs serem de humor, sei que isto é um assunto muito sério e que alguns segmentos feministas estão esquecendo de abordar

    Um abração carioca.

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  4. Falta lembrar que a 'femininidade' e a 'masculinidade' sao invencoes da patriarcada. Ou seja, sao categorias falsas, usadas para diminuir, ameacar e desvalorizar as mulheres.

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