21/12/2012

Existe Pena de Morte no Brasil? Se você é mulher, existe, sim!



Nesta semana um caso gerou espanto e revolta em muita gente na internet: uma mulher residente em Minas Gerais, casada e sofrendo de uma cardiopatia grave, requereu conforme a lei – artigo 128 do código penal – o direito a um aborto terapêutico. A decisão não é definitiva, cabe recurso, mas ela está na oitava semana, e sua saúde e vida estão em risco. Notícia pode ser lida em várias fontes: TJMG, Último Segundo, Estado de Minas, Jornal do Commercio, R7, etc. Sim, é possível a interrupção da gravidez em alguns casos neste país: estupro, risco de vida da mãe e má formação fetal grave (*vide o caso dos anencéfalos*). Só que, apesar da mulher ter todo o direito de interromper a gravidez para preservar a sua vida, o juiz Geraldo Carlos Campos, deliberou que o casal, que já tinha interrompido outra gravidez ano passado, não tomou nenhuma medida contraceptiva (*Será? E se “sim”, e daí?*) e que a gravidez era esperada (*"não deixa de ser um ato voluntário"*), que como pessoas "maduras e esclarecidas", tiveram uma "conduta negligente".

Antes que alguém diga que há um bebê a caminho, assevero que dada a gravidade da saúde da mãe (*ou não teria autorização para abortar anteriormente*), não haverá bebê algum, mas, sim, uma mulher morta ao fim deste processo. A escolha da foto do post foi proposital, ainda mais em um mundo no qual é possível desumanizar ao extremo uma mulher fazendo chamada de jornal na TV com “primeira imagem do herdeiro real” e mostrar a imagem da esposa do neto da Rainha Elizabeth com uma ínfima barriga de três meses. Além disso, a lei lhe assegura o direito a interrupção, não é algo que fique ao bel prazer do juiz. Gravidez acidental acontece, métodos contraceptivos falham, e se formos para os métodos contraceptivos naturais, aqueles defendidos pelos pró-vida religiosos, a abstinência, eles falham mais ainda. Independente da (*suposta*) negligência do casal, a decisão do juiz vai contra a lei e, claro, pune a mulher com a possível morte. Engravidou “porque quis”? Morra. Porque apesar do apoio do marido, é ela, a mulher, que está com sua vida em risco.


Só em uma sociedade na qual as nossas vidas valem tão pouco, poderia acontecer uma decisão como esta. Mulheres são cidadãs de segunda classe, não tem direito de autonomia sobre seus corpos e, sim, podem ter sua vida colocada em risco para castigá-la. Neste caso, vejam bem, nem se trata de garantir a vida do feto, mas de punir mesmo a mulher, especialmente, porque, bem, ela engravidou DE NOVO. É uma covardia e crueldade tão grande que é difícil imaginar... Quer dizer, eu, como mulher, posso imaginar. Eu posso passar pela mesma situação, hipoteticamente falando. Eu posso engravidar, ter direito a interrupção de uma gravidez segundo a lei, procurar os meios legais (*não uma clínica clandestina*) e ter um juiz (*homem*) definindo que, mesmo casada, “não promíscua” (*vocês sabem, que isso pesa muito*), me castigando com a morte, porque, bem, sou uma pessoa esclarecida (*Poxa! Com doutorado e não sabe prevenir uma gravidez?!*) e madura (*chegando lá nos 40 anos*). É aviltante. Eu optaria por uma esterilização, talvez, a moça nem possa se submeter a ela, mas um marido consciente faria uma vasectomia.  Mas é opção, e nem acho que prevista na rede pública para casos como esse, mas nem fui procurar.

Recentemente, uma mulher de origem indiana morreu na Irlanda – país bem mais católico que o nosso, pelo menos nas estatísticas – porque lhe negaram um aborto terapêutico. Aqui, esse juiz se arvorou de “deus” para deliberadamente condenar uma mulher à morte. Pois é isso que a sentença pretende, já que a doença não permitirá que a gravide chegue a bom termo, simplesmente, bem, porque ela engravidou DE NOVO. Só para fechar, reforço que, neste caso, nem se trata de priorizar o feto à mulher que o carrega, trata-se de punição mesmo, condenação à morte ou tortura. Tortura, aliás, é crime e pena de morte não está prevista em nosso código penal. Mas, reforço, mulheres não são cidadãs completas e o judiciário esses dias anda tendo seu já inflado ego midiaticamente reforçado com a idéia de que são o poder acima dos poderes. Ser mulher no Brasil é muito perigoso e isso não é só papo de feministas, como eu, mas algo que se materializa em decisões judiciais como essa.

01/12/2012

As Mulheres Negras e os Direitos Civis nos EUA




Desde o fim da Reconstrução Radical (1865-1877) vigoraram no Sul dos Estados Unidos as chamadas Leis Jim Crow (1876-1965), que legitimavam a Segregação Racial com base na premissa (*falsa*) "Separados, mas Iguais". Qualquer pessoa que tenha assistido mesmo o filme mediano Histórias Cruzadas, entende o que estou dizendo. Pois bem, Rosa Parks foi presa em 1 Dezembro de 1955, porque não quis se levantar para que um homem branco pudesse sentar. Hoje é dia de lembrá-la. Sua coragem, seu orgulho, foi o estopim para que outros negros e negras se mobilizassem nos EUA para que as leis racistas-segregacionistas fossem derrubadas. 

O sistema de transporte público de Montgomery, Alabama, sofreu boicote por 381 dias, até que as autoridades cederam a aboliram o sistema que estabelecia que negros sentavam no fundo do ônibus, brancos na frente e se o ônibus enchesse, a cada branco que entrasse, um negro ou negra deveria ceder o lugar.  Rosa Parks não foi a primeira mulher, nem a primeira pessoa, a se rebelar contra a segregação nos transportes públicos em algum Estado do Sul, antes dela, pelo menos três mulheres ganharam notoriedade por fazer o mesmo: Irene Morgan (1946), Sarah Louise Keys (1955), e Claudette Colvin (1955).


 Irene Morgan era secretária, e se recusou a levantar na cidade de Middlesex County, Virginia. Não somente isso, ela entrou em luta corporal com o xerife e outra autoridade masculina para não deixar o veículo. Foi presa, seu caso se arrastou na justiça, e foi parar na Suprema Corte. Imaginem o risco que essa mulher correu, e, claro, o mal exemplo, já que não somente se rebelou, mas partiu para a luta corporal... Sarah Keys (siga o link) era militar, das primeiras a se graduar na academia militar, das primeiras militares negas a cursar Direito com verba do Exército, e estava voltando para uma licença em sua cidade natal, Washington, Carolina do Norte. Ela tomou o ônibus em Fort Dix, New Jersey, seguiu até Washington D.C., onde embarcou em um ônibus sulista. Sentou-se na quinta fileira. Quando houve troca de motorista na pequena  Roanoke Rapids , o condutor exigiu que ela fosse para o fundo do ônibus e cedesse o lugar para um fuzileiro branco. Ela se recusou. Foi presa. O caso foi parar na Suprema Corte. 

Já Claudette Colvin, uma adolescente de 15 anos, voltando da escola, foi a primeira mulher em Montgomery a resistir às leis segregacionistas em ônibus, nove meses antes de Parks, mas por ser uma menina, que poderia ser taxada de "rebelde", não foi considerada como um símbolo adequado ao movimento de direitos civis.  Na verdade, e isso não diminui Rosa Parks, mas mostra o quanto uma imagem mais conservadora, todas as outras eram jovens, Parks já tinham 43 anos, por exemplo, se presta melhor como propaganda em uma sociedade igualmente conservadora... Hoje não é dia de lembrar somente de Rosa Parks, mas de todas essas outras mulheres e ressaltar que a luta por direitos iguais não acabou.